domingo, 8 de junho de 2014

Ela se vestiu com as roupas da alma!



Decidida! Ela estava decidida a fazer nada naquele sábado!
Nada de trabalhos domésticos, nada de P.I , ela detesta ir ao supermercado, chama essa tarefinha chata de programa de índio (PI) na verdade ela não gosta de tumulto e supermercado aos sábados é sinonimo de filas, filas e mais filas. Ela encara isso pacientemente todos os sábados, mas não este!
Depois de conversar com as coisas, tomar tranquilamente seu café da manhã, já está decidida a ir ao Shopping – também tumultuado pensou ela – mas não tem jeito. Livraria Saraiva, só no Shopping Flamboyant,, Shopping Flamboyant, por sua vez, só aos sábados, durante a semana ela não consegue fazer isso, o tempo é curto.
Resolveu que faria isso sozinha. Queria estar só, caminhar só, olhar para tudo ou para o nada da melhor forma que lhe aprouvesse, sem precisar comentar ou justificar nada… queria apenas pensar sozinha! O medo de estar só não a apavora, aprendeu a ficar assim, gosta de estar consigo mesma e com os seus botões.
Apesar da terapia, queria pensar nos acontecimentos e queria fazer isso fora do seu habitat natural! Precisava olhar as coisas de fora…! Apesar de se sentir leve, está abalada com os fatos, com as respostas, enfim, em um caso, só queria compartilhar, só queria ser ouvida, queria carinho e em ambos, não quer julgar!
Ela é assim…
Com tais reflexões rondando o pensamento ela se apronta para sair!
Se veste com o estado da alma… como ela é, como se sente… com simplicidade! E não confundam, simplicidade não significa desleixo.Os sobrinhos dizem que ela é arrumada até para dormir! Ela sorri ao pensar neles...! Ela sorri com o carinho da observação!
Os amigos próximos costumam dizer que ela é a melhor amiga que se pode ter, humilde, simples, carinhosa elegante, alegre, brincalhona, de um senso de humor fino e requintado como poucos e que costuma fazer graça com as próprias mazelas.
Os não tão próximos dizem que ela é gentil e elegante no trato  com as pessoas, dizem que ela é alegre e bem humorada! É o que dizem…
Enquanto se veste, ela pensa, gostaria que ele tivesse se permitido conviver mais, conhecer este lado divertido e bem humorado dela..., gostaria de ter conhecido este lado dele também, ela sabe que ele também é divertido, o coração aperta, dá frio na barriga!
Se veste! Escolheu a calça jeans preferida, uma das mais velhas e confortáveis, um modelo requintado feita de um denim  macio e com um colorido diferente dos tradicionais , com  recortes laterais, sem bolsos, modelando seu corpo de manequim 38 com perfeição. Para combinar, vestiu uma camiseta branca básica de alcinha, sobrepondo a ela uma blusa de telinha colorida de cores suaves com tons verde água, rosa claro e pastel  tingidas em tie die e com pequenas lantejoulas quase invisiveis aplicadas em espaços longos. As cores conferem à blusa um toque suave de nuvem colorida, num misto das cores do nascer do sol no horizonte refletindo pontinhos brilhantes de orvalho salpicados aqui e ali na relva molhada, dando um toque de brilho discreto.
Completou o visual com um brinco de plástico cor de rosa que tem um efeito furta cor surpreendente aos olhos de quem vê, com colar inseparável com o anel dos princípios e o das sete felicidades usados como pingente, ambos presente dos homens da sua vida (do amor e do pai) e no dedo do meio da mão esquerda coloca o anel de acrílico rosa, calçou um sapato de lona em tom pastel com solado anabela macio e confortável e lá foi ela. Simples assim.
Se sentiu vestida com o que lhe ia na alma…. Com o que lhe ia na alma, pensou, também será a refeição. Sozinha, seria mais fácil escolher o cardápio, nada sofisticado. Decidiu, já antes de sair, que comeria um crepe de queijo com  tomates e manjericão, passaria na sorveteria e  tomaria um sorvete de torta de limão com bem casado e depois iria na livraria para escolher os livros que compraria com o vale livros que ganhou. Feito isso se sentaria no café ao lado da livraria para tomar um bom café, folhear os livros e ficar apreciando o movimento das pessoas, coisa que ela gosta de fazer quando está só! Como boa observadora, gosta de observar comportamentos. Assim o fez!
O passeio contemplava só mais uma etapa, e foi nessa que ela se surpreendeu! Planejou que passaria no Empório que fica no Shopping para comprar os deliciosos pães ciabata. Ela ama pães, principalmente os italianos e os do empório são perfeitos!
Geralmente costuma caminhar alheia a tudo, tão absorta fica em seus pensares. Assim seria também dessa vez, não tivesse ela percebido que atraia olhares ao atravessar toda a extensão do Empório, que também é um restaurante, até chegar na loja de pães..., fez o caminho de volta com certa timidez, chacoalhando em uma das mãos a sacola com os pães, tentando vencer a timidez diante dos olhares que persistiam, vence o espaço até a porta e sai em busca do caminho de casa, o passeio se encerrava ali, a interrogação não. O que pode atrair a atenção para uma mulher que veste o corpo com as roupas da própria alma,que traz no semblante olhar meio que desamparado, meio que perdido, afogado em pensamentos e carregado de tristeza?
Ao chegar em casa, vai direto para o quarto se despir e dá de cara com sua figura no espelho, então entende o que aconteceu. A face rosada, a boca em  um batom vermelho carmim confere vida ao rosto que  senão tão bonito traz em si uma expressão interessante onde se encontram cravados um par de olhos que mudam de cor  e que naquele exato momento mudaram de cor, estando contraditoriamente suaves e em tons meio que esverdeados, de um verde-escuro profundo como um  poço sem fim e entristecidos, mostrando apenas o que lhe vai  na alma, misturado àquela expressão de menina perdida que um dia alguém  notou. E, vestida naquele corpo  bamboleante de mulher ela parece jovial, menos séria, mais ela mesma, mais bonita, e assim, vestida de sábado ela ficou mais leve, mais rebolante, mais sensual. Isso sem dúvida, pensou ela, deve chamar a atenção.
E assim, vestida com as roupas da alma… ela quis que ele a desconhecesse para de novo conhecê-la, ela quis que ele reconhecesse o que ela tem de melhor, ela quis ser amada, ela sentiu saudades profundas!
Como pode caber tanto amor em uma alma??? 

sábado, 7 de junho de 2014

Tributo a Madame Frigidaire






Nem é tão tarde assim quando abro os olhos pela primeira vez nesta manhã… dou uma olhada no relógio… 7h30! Penso, cedo demais para o tão esperado sábado!
Lembro que hoje não tem diarista e me permito ficar na cama um pouco mais. Sei que não vou dormir, me acomodo quietinha entre os travesseiros e o edredon permitindo que as imagens gostosas dos sonhos da noite passeiem pelas lembranças. Deixo também fluir as lembranças dos acontecimentos estranhos, para ser suave, das últimas semanas. Decido que não vou permitir que “ninguém ande pela minha mente com os pés sujos” como diria Gandhi. De qualquer forma, me incomodo pois alguns fatos me fazem voltar a um passado não tão remoto, mas bem doido que pensei estar enterrado. Decido -- não, não vou permitir que isso me abale, me tire do prumo --  não vou! Percebo que enfatizar isso assim com veemência é uma forma de tentar me convencer que não estou abalada, o que não é verdade! Assustei...! Mas, tenho a consciência tranquila de que estou agindo de acordo com os meus principios de ética e respeito, o que no entanto,  não elimina a tristeza profunda que toma conta do coração. Enfim… 9h04 a cama ficou com espinhos… hora de levantar! Percebo que estou faminta e me lembro que não como nada desde ontem no almoço!
Levanto! Sigo para a cozinha para preparar meu café da manhã, me aproximo de Madame Frigidaire (que na verdade é uma Cônsul rsss…). Ela me olha com aquele olhar frio e glacial, me acusando de deixá-la sobrecarregada! Diante dessa queixa fria e cheia de mágoa, representada no ronco pesado de Madame Frigidaire, volto aos bons tempos em que sentava no alpendre da varanda lá no Porto Seguro,  ouvindo Belchior junto com meu pai… o velho gosta! Cantarolo a canção…
Ando pós-modernamente apaixonado pela nova geladeira.
Primeira escrava branca que comprei, veio e fez a revolução.
Esse eterno feminino do conforto industrial injetou-se em minha veia, dei bandeira! e ao por fé nessa deusa gorda da tecnologia gelei de pura emoção!"
Bom… não estou assim tão pós modernamente apaixonada por Madame Frigidaire, mas com certeza não consigo imaginar minha vida sem ela, assim, tenho que admitir que ela está certa. Tem trabalhado muito, está bem sobrecarregada, as acusações tácitas e gélidas que ela me faz de preservação do meio ambiente, consumo de energia em excesso pela sobrecarga fazem sentido, mas… Madame Frigidaire, revido com a mesma frieza, quem paga a conta sou eu, hoje não temos diarista e temos sorvete no congelador, então garota, aguenta mais uma semana, sem stress OK? Não dá pra te desligar hoje, não dá para te aliviar hoje tá bom???? Conforme –se!
Falo isso como se estivesse falando para mim mesma, acalme seu coração Chpz, as coisas são como são! Você não fez, mas fez! Simples assim, o seu coração sabe e isso deveria bastar! Mas não basta né??? Você queria mais, você queria ser acreditada…!
Continuo a tarefa de tirar os alimentos que compõe o café da manhã, tentando ignorar as reclamações de Frigidaire e as do meu coração também. Me volto para o único elemento masculino da minha cozinha, Mister Dako.
Mr. Dako é um ser caliente, simpático e sempre pronto, basta provocar, basta riscar um palito de fósforo e encostar nele e ele se acende todo, faço isso ... enquanto preparo o café, ele me olha como que a dizer: ignore as reclamações de Frigidaire, ela é assim mesmo, frígida e sem sentimentos. Diferente de você, que se assemelha a mim, bem caliente, eu sei., sei que um triscar te acende, percebo pelo seus olhos, que hoje estão tristes… O que foi? Que pensamentos são esses que andam pela sua cabecinha?
Nada Mr.Dako, nada e fica tranquilo, hoje não faremos almoço. Decidi aproveitar aquele vale compras da Livraria Saraiva que ganhei dos alunos do Curso de Administração, em agradecimento à palestra que fiz para eles. Fique tranquilo Mrs. Dako, vou me para o Flamboyant. Vou  me misturar à multidão para confirmar a solidão e aliviar o triscar. E assim, enquanto o caliente e fogoso Mr. Dako prepara a água para o café e esquenta o leite, me dirijo à área de serviço onde me deparo com o sorriso escancarado de Milady, minha Brastemp, cheia de botões luminosos e com aquela bocona preparada para receber a roupa, Milady também tenta me consolar quanto à insatisfação de Frigidaire – liga para ela não, Milady parece me dizer – liga não, ela é assim mesmo cheia dos deleites da frigidez!
Rio de mim com esse episódio engraçado… só quem mora só mesmo para ter pensamentos assim dando vida e voz às coisas kkkk..., com isso o pensamento volta aos tempos de colégio, seria isso uma personificação, uma prosopopeia? Sim,  professora Silvia Jorge nos ensinou que personificação ou prosopopeia "é uma figura de estilo que consiste em atribuir a objetos inanimados ou seres irracionais sentimentos ou ações próprias dos seres humanos"., foi isso que fiz.
Voltando...penso que no fundo, dou razão à Madame Frigidaire, ela, de todos esses personagens é a que mais trabalha, afinal, enquanto Milady bate a roupa apenas uma vez por semana e fica sempre limpinha e conservada e Mr. Dako trabalha só pela manhã e aos finais de semana, Madame Frigidaire trabalha ininterruptamente todos os dias da semana, trezentos e sessenta e cinco dias no ano, todos os anos desde que está comigo, sem parar, sem quebrar, merece cuidados especiais…  Fique fria Madame Frigidaire, vou cuidar de você e como disse Belchior, peço bis muito obrigada, apesar da sua frigidez!

"Inventores de Madame Frigidaire, peço bis! Muito obrigado!
Afinal, na geladeira, bem ou mal, pôs-se o futuro do país.
E um futuro de terceira, posto assim na geladeira, nunca vai ficar passado.
Queira Deus que no fim da orgia, já de cabecinha fria, eu leve um doce gelado"!

(Belchior)


https://www.youtube.com/watch?v=js9CIyvm9rE&feature=kp