sábado, 7 de junho de 2014

Tributo a Madame Frigidaire






Nem é tão tarde assim quando abro os olhos pela primeira vez nesta manhã… dou uma olhada no relógio… 7h30! Penso, cedo demais para o tão esperado sábado!
Lembro que hoje não tem diarista e me permito ficar na cama um pouco mais. Sei que não vou dormir, me acomodo quietinha entre os travesseiros e o edredon permitindo que as imagens gostosas dos sonhos da noite passeiem pelas lembranças. Deixo também fluir as lembranças dos acontecimentos estranhos, para ser suave, das últimas semanas. Decido que não vou permitir que “ninguém ande pela minha mente com os pés sujos” como diria Gandhi. De qualquer forma, me incomodo pois alguns fatos me fazem voltar a um passado não tão remoto, mas bem doido que pensei estar enterrado. Decido -- não, não vou permitir que isso me abale, me tire do prumo --  não vou! Percebo que enfatizar isso assim com veemência é uma forma de tentar me convencer que não estou abalada, o que não é verdade! Assustei...! Mas, tenho a consciência tranquila de que estou agindo de acordo com os meus principios de ética e respeito, o que no entanto,  não elimina a tristeza profunda que toma conta do coração. Enfim… 9h04 a cama ficou com espinhos… hora de levantar! Percebo que estou faminta e me lembro que não como nada desde ontem no almoço!
Levanto! Sigo para a cozinha para preparar meu café da manhã, me aproximo de Madame Frigidaire (que na verdade é uma Cônsul rsss…). Ela me olha com aquele olhar frio e glacial, me acusando de deixá-la sobrecarregada! Diante dessa queixa fria e cheia de mágoa, representada no ronco pesado de Madame Frigidaire, volto aos bons tempos em que sentava no alpendre da varanda lá no Porto Seguro,  ouvindo Belchior junto com meu pai… o velho gosta! Cantarolo a canção…
Ando pós-modernamente apaixonado pela nova geladeira.
Primeira escrava branca que comprei, veio e fez a revolução.
Esse eterno feminino do conforto industrial injetou-se em minha veia, dei bandeira! e ao por fé nessa deusa gorda da tecnologia gelei de pura emoção!"
Bom… não estou assim tão pós modernamente apaixonada por Madame Frigidaire, mas com certeza não consigo imaginar minha vida sem ela, assim, tenho que admitir que ela está certa. Tem trabalhado muito, está bem sobrecarregada, as acusações tácitas e gélidas que ela me faz de preservação do meio ambiente, consumo de energia em excesso pela sobrecarga fazem sentido, mas… Madame Frigidaire, revido com a mesma frieza, quem paga a conta sou eu, hoje não temos diarista e temos sorvete no congelador, então garota, aguenta mais uma semana, sem stress OK? Não dá pra te desligar hoje, não dá para te aliviar hoje tá bom???? Conforme –se!
Falo isso como se estivesse falando para mim mesma, acalme seu coração Chpz, as coisas são como são! Você não fez, mas fez! Simples assim, o seu coração sabe e isso deveria bastar! Mas não basta né??? Você queria mais, você queria ser acreditada…!
Continuo a tarefa de tirar os alimentos que compõe o café da manhã, tentando ignorar as reclamações de Frigidaire e as do meu coração também. Me volto para o único elemento masculino da minha cozinha, Mister Dako.
Mr. Dako é um ser caliente, simpático e sempre pronto, basta provocar, basta riscar um palito de fósforo e encostar nele e ele se acende todo, faço isso ... enquanto preparo o café, ele me olha como que a dizer: ignore as reclamações de Frigidaire, ela é assim mesmo, frígida e sem sentimentos. Diferente de você, que se assemelha a mim, bem caliente, eu sei., sei que um triscar te acende, percebo pelo seus olhos, que hoje estão tristes… O que foi? Que pensamentos são esses que andam pela sua cabecinha?
Nada Mr.Dako, nada e fica tranquilo, hoje não faremos almoço. Decidi aproveitar aquele vale compras da Livraria Saraiva que ganhei dos alunos do Curso de Administração, em agradecimento à palestra que fiz para eles. Fique tranquilo Mrs. Dako, vou me para o Flamboyant. Vou  me misturar à multidão para confirmar a solidão e aliviar o triscar. E assim, enquanto o caliente e fogoso Mr. Dako prepara a água para o café e esquenta o leite, me dirijo à área de serviço onde me deparo com o sorriso escancarado de Milady, minha Brastemp, cheia de botões luminosos e com aquela bocona preparada para receber a roupa, Milady também tenta me consolar quanto à insatisfação de Frigidaire – liga para ela não, Milady parece me dizer – liga não, ela é assim mesmo cheia dos deleites da frigidez!
Rio de mim com esse episódio engraçado… só quem mora só mesmo para ter pensamentos assim dando vida e voz às coisas kkkk..., com isso o pensamento volta aos tempos de colégio, seria isso uma personificação, uma prosopopeia? Sim,  professora Silvia Jorge nos ensinou que personificação ou prosopopeia "é uma figura de estilo que consiste em atribuir a objetos inanimados ou seres irracionais sentimentos ou ações próprias dos seres humanos"., foi isso que fiz.
Voltando...penso que no fundo, dou razão à Madame Frigidaire, ela, de todos esses personagens é a que mais trabalha, afinal, enquanto Milady bate a roupa apenas uma vez por semana e fica sempre limpinha e conservada e Mr. Dako trabalha só pela manhã e aos finais de semana, Madame Frigidaire trabalha ininterruptamente todos os dias da semana, trezentos e sessenta e cinco dias no ano, todos os anos desde que está comigo, sem parar, sem quebrar, merece cuidados especiais…  Fique fria Madame Frigidaire, vou cuidar de você e como disse Belchior, peço bis muito obrigada, apesar da sua frigidez!

"Inventores de Madame Frigidaire, peço bis! Muito obrigado!
Afinal, na geladeira, bem ou mal, pôs-se o futuro do país.
E um futuro de terceira, posto assim na geladeira, nunca vai ficar passado.
Queira Deus que no fim da orgia, já de cabecinha fria, eu leve um doce gelado"!

(Belchior)


https://www.youtube.com/watch?v=js9CIyvm9rE&feature=kp


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