domingo, 13 de maio de 2012

O Empinador de Pipas.




Era uma vez… um menininho que morava tão perto de mim… e eu nem sabia.
Ele brincava alegremente junto com os outros menininhos das redondezas da Alípio Dias Junior com a Augusto Jorge Estevão e nem nos sabíamos tão próximos.
Corria e reinava com a molecada entre os pés de mamona, os carrapichos e outros bichos do terreno baldio situado em frente à casa grande, com varanda alta, cheia de portas e janelas… onde por uma delas, ou talvez pendurada no alpendre uma menininha espiava curiosa a algazarra da molecada e… ele nem sabia! E a gente nem sabia!
Memórias longínquas se  desvelam aos poucos tomando conta dos meus pensamentos hoje. Chegaram sem nenhum aviso prévio e insistem em me mostrar a mesma criaturinha que me aparece em sonhos, vez em sempre: um menininho. Uma criaturinha linda, rechonchudinha que nos sonhos veste um short cinza e camisa socialzinha branca ou listradinha eu acho, usa um par de sapatos pretos e um par de meias também cinza, assim me parece. Traz também um par de esmeraldas salpicadas de rubis no lugar dos olhos que até hoje me fazem perder o fôlego e têm a carapaça encoberta por cabelinhos entre preto e dourado como se refletissem o brilho do sol, levemente encaracolados.
A imagem me persegue durante o dia todo e imagino ter sido esse menininho, em algum momento da vida, um empinador de pipas.
Rememoro um dos sonhos…  que não foi bem um sonho, pois eu não estava dormindo, estava num estado de semi consciência. Uma visão talvez? Ou alguma imagem que estava gravada no inconsciente e a memória acessou?...... enfim, algo assim.

A imagem era assim: Um menininho, muito lindinho, correndo num campo gramado, num dia de vento talvez? Um dia lindo, ensolarado, brilhante. O menininho rindo, fazendo algazarra, gritando, correndo empinando seu papagaio (pipa) colorido. Uma criança muito feliz, exalando energia e vitalidade próprias de crianças em idade escolar ( 8 a 10 anos talvez) sem preocupações, vivendo apenas aquele AGORA. Foi com essa imagem passeando pelos pensamentos que passei o dia de hoje.
Daí, como não poderia deixar de ser, reflexões sobre........ Depois de muito pensar, minha cabeça conseguiu elaborar uma série de reflexões sobre a visão!
O que fazia um menininho em nosso tempo de criança para ter uma pipa (papagaio)?
Precisava de um mínimo de grana para comprar o material necessário – e aí..... Podia ser uma choradeira... mãe me dá dinheiro, por favor mãe... por favor… dá dinheiro…
--Pra que menino???
-- Mãe, quero uma pipa.. Não era tão fácil, mas, geralmente conseguíamos algumas moedas, depois de muito custo, muita choradeira, muito esforço de convencimento ou, dependendo do dia e das condições nem precisávamos chorar; ou então não conseguíamos mesmo – a mãe não tinha -  e daí a gente ia negociar retalhos de papel com os colegas... nos propúnhamos a fazer a pipa dele ou faríamos uma pipa com um papel qualquer, até jornal servia…
Nessa etapa, sabíamos O QUE queríamos e o que precisávamos fazer para consegui-lo: poder de convencimento, persuasão, riscos – de levar uns supetões - mas íamos à luta;


Aí…. juntamos a turminha e vamos para a lojinha da cidade, comprar os materiais necessários para a CONSTRUÇÃO......... Em meio a uma profusão de papéis de seda coloridos, escolher as folhas, as cores, cola ( às vezes), varetas ( às vezes), ah! A linha, carretéis de linha 50 ou 20, sei lá – nem me lembro...muitos metros! Sim, tem de ser grossa pra não arrebentar....( e os carretéis de madeira depois serviriam pra fazer rodas de carrinhos) enfim, todo o material necessário para construir a pipa...... E, coração batendo descompassado!!!!!!!!
Nessa etapa, sabíamos o QUANTO seria necessário e ONDE encontrar!
Juntamos de novo a molecada, e vamos sentar na varanda de casa ou mesmo na calçada, espalhar a tralha no chão e começar a construção. Papéis de todas as cores, tesouras, colas ( que podiam ser compradas ou misturas de água e farinha de trigo – lembra?), varetas ( que também podiam ser compradas, ou, que fomos lá no meio do mato, cortamos um pedaço de bambu e fizemos uma vareta com todo o cuidado para ser uniforme) .
E a emoção???? Como vai ser?????? Quais cores usar? E o tamanho? E o formato? Nossa… ficava-se em polvorosa… parecia mesmo um bando de maritacas ou papagaios… tão barulhentos ficavam. Acho até que é por isso que o brinquedo chama papagaio rsss.
E aí, começávamos o processo de construção da nossa obra!
Tomando todos os cuidados no corte, na forma, não pode ter cola demais senão desequilibra, vamos marcar o meio direitinho pra fazer o cabresto.......com cuidado, senão não voa! Precisa de muita linha pra voar alto – enrola a linha numa latinha de conserva qualquer...... e, quem tinha uma latinha naqueles tempos? Então enrola a linha num pedaço de pau qualquer! Enfim, tem de ser prático para não enrolar, não embaraçar.
Nessa etapa, grandes decisões. E aí estávamos no COMO fazer, fazer bem feito, para obter bons RESULTADOS. Já tínhamos senso de competitividade, de decisão, de liderança.
Então…Tudo pronto! E agora? Observar o tempo, um bom dia, com ventos favoráveis, Num lugar legal... de preferência no campinho, não tem fios, não tem perigo! E lá íamos nós!
Fase da AÇÃO... percebeu que para tudo isso exige decisões?
Percebeu que em cada etapa estamos fazendo escolhas? E aí, vamos viver a grande emoção de empinar uma pipa, obra nossa, sob nosso controle, ela lá no alto, e nós controlando, correndo, gritando, rindo, felizes! Damos linha, ela sobe, sobe, sobe...... o coração acompanha o ritmo...... acelera, acelera, acelera, quase saí pela boca! Seguramos a linha, puxamos a linha, encolhemos, esticamos! Adrenalina pura! Torce, retorce, contorce… rabeou, descontrolou......... o que fazer? E se a linha quebrar? E se perder a obra?
Nem percebemos naquele momento, no auge da nossa inocência, que essa é a grande dinâmica da vida! A linha da vida em nossas mãos!
Não sabemos, por que estamos no AGORA, que fizemos tudo o que nos será exigido da vida ao crescer. Planejar, Desenvolver, Conferir, Avaliar, Monitorar, Escolher, Decidir, e muitas vezes teremos de fazer tudo isso sozinhos. Viver, ter a linha da vida em nossas mãos e segurá-la de forma que não arrebente, mas se arrebentar, saber que aquela pipa pode ir e então, construiremos outras e outras, e usaremos outras linhas!
Saber também que, em algum momento, poderemos encontrar uma pipa que caiu, não muito longe de nós, e que poderemos recolhê-la ( por que ela ainda faz parte da nossa vida), amarrar de novo a linha e continuar a empiná-la......... e que a alegria, o prazer de reencontrá-la é incomparável, pois sabemos toda a energia que investimos para construí-la! Saber que ela pode estar um pouco danificada, mas, ainda assim vamos reconstituí-la assim como haverá momentos que teremos de reconstituir nossas vidas, às vezes com aquela pipa que ficou lá no passado, depositada no baú de memórias …coisas simples, mas complexas.
Era uma vez… uma menina com suas doidas analogias que a  ajudam a compreender a vida a partir das imagens, dos fatos, da construção!
Juntando laços, fazendo nós, desatando nós!
Essas coisas que fazem parte da vida… Era uma vez… um sonho com um empinador de pipas…

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